quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

CAp 1- ebook - Japão em Contos -

 1- Primeiro contato

Conheci o Japão aos 9 anos. Foi num dia tão triste que nunca esqueci.

Na época, 1961, não tínhamos televisão. Éramos pobres. Eu viajava pelo mundo, à noite, pelas histórias que minha mãe contava para eu dormir e nos fins de semana que passava na casa de meu avô.

Me lembro muito bem que no sábado seguinte ao meu aniversário, meu avô me disse que tinha duas histórias para me contar. 

Uma triste e uma com final feliz.

“Vou te contar a triste primeiro”, disse ele. “Hoje é o dia Internacional de Combate ao Câncer”. 

Na época eu nunca tinha ouvido essa palavra e nem sabia o que significava. Nem imaginava que existia o Dia Internacional Disto ou Daquilo.

“O que é câncer, vô?”

Ele, com sua costumeira paciência de Jó, me contou que era uma doença muito grave. 

“Lembra quando você ficou com a garganta inflamada, não conseguia comer nada, teve febre alta e ficou de cama e teve que tomar injeção para se curar?”

“Sim, foi muito ruim”.

“Então, essa doença é muito pior. Não tem injeção que faz a gente melhorar. Seu tio Teo está com câncer. Quando você fizer 10 anos, talvez ele não consiga ir ao seu aniversário. Ele fuma muito, por isto ficou doente…”.

Tive uma crise de choro que só mais tarde eu entendi o porquê.

Eu gostava muito do meu tio Teo (Teodoro). Ele e meu avô preenchiam um vazio afetivo que meu pai deixara. 

Depois de um chá com bolachas e muitas palavras de consolo, já deitado para dormir, meu avô me conta a "história feliz”. 

E lá foi ele me dizendo de uma linda terra distante chamada Japão, onde vivia um velhinho, chamado Hanasaka:

“Há muito anos, numa aldeia no alto de uma montanha morava um casal de velhinhos que não tinha filhos. Eles moravam sozinhos com seu cãozinho de pelos brancos, igual ao seu querido Bilu. Só que o deles se chamava 'Shirô', que em japonês quer dizer ‘Branco'.

Um dia, Hanasaka estava cuidando da sua horta e o Shirô não parava de latir tentando desenterrar algo com suas patinhas.

 O velhinho decidiu ajudar o cachorro. Pegou uma enxada para cavar com mais facilidade para achar um osso, pensou ele.  

Só que em vez de encontrar o osso de Shirô, o velhinho encontra um pote com moedas de ouro. 


O velhinho, que tinha bom coração, decidiu dividir com os vizinhos as moedas e assim deixar todos felizes. 

Um dos vizinhos, muito invejoso, disse que estava com medo de ficar em casa sozinho com as valiosas moedas de ouro que acabara de ganhar e pediu o cãozinho emprestado por uns dois dias.

Assim que ficou sozinho com Shirô, o vizinho colocou uma corda em volta do pescoço do cãozinho.

'Você vai ter que achar ouro para mim se quiser voltar para sua casa' gritava o vizinho ganancioso enquanto arrastava o cachorro pela redondeza com violência.

Já cansado pelos maus tratos, num determinado momento o cão para e começa a latir. 

O vizinho, pensando que havia achado ouro, mais do que depressa cavou um buraco naquele lugar. E em vez de ouro, achou lixo enterrado que fedia muito.  

Ficou com tanta raiva que deu uma enxadada na cabeça de Shirô que morreu imediatamente.

No dia seguinte, Hanasaka foi visitar o vizinho e descobriu que o acontecera. Chorando carregou o corpo do cãozinho até sua casa e enterrou seu querido companheiro no seu quintal. 

O casal visitava, todos os dias, o local que havia sido enterrado Shirô para depositar uma flor sobre a cova. Eles não conseguiam conter as lágrimas quando lá chegavam.

Na primavera, exatamente no dia 08 de abril, perceberam que uma árvore crescera exatamente sobre o túmulo do cãozinho. 'É um milagre, é o espírito de Shirô que se transformou nesta árvore para nos dizer para não ficarmos tristes', disse o velhinho a sua esposa.

Assim, todos os dias, alegremente eles visitam a árvore para desejar um bom dia ao espírito do seu cãozinho querido.


O tempo passou. 




O inverno chegou e uma forte rajada de vento gelado derrubou a árvore. A esposa do bom velhinho sugeriu trazerem o tronco da árvore para casa. 

Eles acreditavam que dentro do tronco estava o espírito de Shirô. 

"Vamos fazer um pilão com ele, assim podemos preparar a massa para o mochi (bolinho de arroz) que Shirô  tanto gostava", sugeriu a esposa. 

E assim fizeram.

Quando usaram o pilão pela primeira vez presenciaram um novo milagre: o arroz  socado havia se transformado em moedas de ouro. 

Mais uma vez, o bom velhinho decidiu compartilhar as moedas  de ouro com seus vizinhos. 

Ao saber do novo milagre, o vizinho invejoso, foi a casa de Hanasaka, chorando e se desculpando pelo que aconteceu no passado. Para se redimir pediu emprestado o pilão dizendo que iria fazer moedas e distribuir todas elas para a vizinhança, como demonstração de seu arrependimento. 

Na verdade, sua intenção era ficar com todas moedas e se mudar do vilarejo. 

Ao chegar em casa, começou a socar o arroz que em vez de se transformar em ouro, se transformou em uma pasta mal cheirosa. E quando mais socava mais mal cheirosa ficava.

Furioso, cortou o pilão em pedaços e ateou fogo. 

Quando Hanasaka foi buscar o pilão, só encontrou cinzas. Pacientemente, recolheu todas as cinzas  e dirigiu-se para sua casa. Ao passar pelo quintal uma forte rajada de vento espalhou um pouco da cinza sobre uma árvore morta que imediatamente começou a florecer.  De suas ramas, pouco a pouco, começar a surgir lindas flores de cerejeira até que todos os ramos ficaram repletos de flores e um forte perfume se dispersou pelo ar.

A noticia se espalhou pela aldeia e chegou até aos ouvidos dos samurais do reino.

O bom velhinho, carregando o pote com as cinzas, foi escoltado até a “Cidadela do Castelo” onde  moravam os samurais, os nobres e Daimyo, o senhor feudal do Japão. 

A pedido do soberano, o velhinho espalhou as cinzas pelas árvores da região e, para alegria e espanto de todos, brotaram novas e belas flores de sakurá. 

O nobre ficou tão satisfeito que recompensou regiamente o Hanasaka, e ordenou que todos do reino passassem a chama-lo de Hana-saka-Jijii, que significa “o velho que faz florescer as árvores”.

 Até hoje as flores da cerejeira, por sua beleza e brevidade, são consideradas a flor símbolo dos samurais”.


    “Que linda história. Vô, eu prometo para o senhor que vou conhecer o Japão quando for grande”. 

Meu avô saiu do quarto, sem dizer nada, e voltou com uma moeda de 20 centavos com furo na borda. 

Entregou a moeda e disse:

“Então, você precisa visitar o Parque Memorial da Paz numa cidade chamada Hiroshima e deixar esta moeda num dos vasos de flores do Memorial”.

Eu guardei aquela moeda por 53 anos, até cumprir minha promessa. 

Parque Memorial da Paz. 

E a Cúpula da Bomba Atômica (ruínas do Antigo Centro de Exposição Comercial da Prefeitura de Hiroshima).


Capítulo 1 do meu ebook: JAPÃO EM CONTOS


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