terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

O moleque, o velho e o circo


15 de fevereiro de 2034.

Faz calor em Oeiras. Muito calor, apesar de ser 4 horas da madrugada...

Um dos nossos personagens, um garoto de 12 anos dorme um sono intranqüilo. Menos pela temperatura e mais pela ansiedade da aventura que o espera amanhã: ir a cidade para ver o circo! Afinal, foram meses e meses de espera e de trabalho duro para juntar algum dinheiro. Tudo para realizar este sonho que segundo seu avô, seu único companheiro naquela casa de barro, era uma extravagância.

Moleque, como era chamado, conseguiu juntar 10 R$ em oito meses de trabalho. Quanto esforço! Seu avô estava orgulhoso da determinação do moleque... e não era para menos, com tanto dinheiro o garoto poderia comprar um par de sandálias novas que tanto precisava e ainda sobrava uns trocados para uma rapadura de 2 kilos... mas, não! O garoto insistia que tinha juntado o dinheiro para ir ao circo, comprar pipoca e ver o mágico de Zós...

Naquele momento, nada tinha mais VALOR para ele do que este passeio. “Será que os velhos nunca foram crianças e não sabem que diversão é muito mais importante que sapato e comida?”

Enfim, amanhece. O avô acorda, senta à beira da cama e pensativo passa a observar o neto dormindo... são quase seis horas, logo os dois se porão a caminhar: “hoje é um dia de festas”...

Vô, apesar de seus 82 anos, ainda era perfeitamente lúcido. Conseguia se lembrar de muita coisa do antes... Ele vivia contando antigas estórias... lembrou-se, naquele momento, que estudou um conceito que conseguiria explicar esta necessidade de querer coisas que, na verdade, não são essenciais... “Ah, se ainda tivesse os livros de Marketing... eu gostava tanto do prof. Cosenza... que saudades da minha turma do mestrado... que pessoal criativo! Será que sobreviveram?... Ah, sim... o ponto de partida está baseado nos desejos e nas necessidades humanas... o desejo das pessoas por coisas que podem comprar vai gerar uma DEMANDA... Mas, por que alguém prefere comprar um ingresso de circo a uma sandália? ... ai entra o conceito de UTILIDADE... Cada coisa tem uma capacidade diferente de satisfazer as necessidades humanas...

O velho ainda viajava em seus pensamentos quando, de repente, escuta uma voz lá longe chamando: “Vô, vô, tá na hora, precisamos ir, o Sr. tá me escutando?...”

Aos poucos o velho volta a si, e descobre que tem uma missão importante a fazer: ensinar seu neto aquilo que ainda conseguia se lembrar do passado... E isso começaria imediatamente!

Naquele deserto, no meio do nada, seguem felizes um velho e um moleque, cada qual por uma motivação diferente...

Se alguém estivesse por perto escutaria, pelas quase 4 horas de caminhada, o velho discorrendo sobre a distorção dos valores humanos para criação de demandas artificiais... sobre o consumo desenfreado... sobre a famosa mensagem de Victor Lebow... sobre a “percepção de obsolescência das coisas” induzida pela propaganda que nos obriga a trocar coisas mesmo quando ainda são funcionais... sustentabilidade ... superpopulação... e o preço que a humanidade pagou por tudo isto...

“Moleque, milagres não existem. Tudo tem limite. Tudo tem um preço. O segredo está nas escolhas que fazemos, coletivamente...”

E esta foi a história de um velho que sobreviveu às conseqüências do consumo irresponsável...

“Por que razão que se perceba,

Não há de ser esta história mais verdadeira

que tudo quanto os homens de marketing pensam

e tudo quanto as escolas ensinam?”