.
Semana passada fui ao Sírio visitar meu amigo Jonas.
Confesso que não consegui conter as lágrimas quando o vi.
Estava muito magro, abatido mas, sereno… “tudo equacionado".
O câncer de pâncreas roubara aquele brilho do seu olhar, aquela inquietação de quem tem sempre muito a fazer… mas, não roubou seu senso de humor e seu raciocínio lógico:
“Chegou minha hora de partir… logo, logo, você vai ouvir o 2o movimento da 3a por mim… Exatamente como o velho Francesco te ensinou…”
Esse era o ritual que praticávamos quando ficávamos sabendo que alguém querido se foi:
Ouvir o 2o movimento da 3a Sinfonia de Beethoven enquanto pensamos nessa pessoa.
Jonas era um pouco mais alto do que eu, forte, jovem como eu… Tínhamos muito em comum. Havíamos trabalhado na mesma empresa. Compartilhávamos os mesmos valores. Ríamos como crianças quando Motta questionava "como dois ateus podem gostar tanto de música sacra…”.
Motta foi o primeiro do grupo dos 4 a partir. Era o único religioso: Metodista. A cirrose o levou… Motta teve uma vida muito ativa, sempre intensa, sempre no limite. Nunca foi feliz nos seus casamentos, mas era uma pessoa muito especial. Nós o adorávamos…
Depois, Fernando, o “santo" do grupo. Sua vida era lutar por uma causa. Sempre achava uma que justificava sua existência. Eu gostava muito de nossas conversas que sempre envolviam Fernando Pessoa…
Agora Jonas, o considerado gênio do grupo. O mais frio e calculista. Talvez, o único com o pé no chão… Jonas, estou, nesse momento, ouvindo Beethoven por você. Não consigo conter as lágrimas…
“Por que?” diria você. “Não sei, diria eu. A música me afeta… essa, mais do que todas…”
Quando estiver chegando minha hora (espero que esteja muito distante, pois tenho muitas viagens a fazer), quero meu iPod e meu fone de ouvido. Quero partir ouvindo minhas músicas…
Ah, se as pessoas soubessem como tudo passa tão rápido…
Hora de ouvir Vivaldi, in Memoria Aeterna (Gloria, RV 597):
In memoria aeterna erit justus;
ab auditione mala non timebit.
..
.