sábado, 6 de fevereiro de 2010

A Selva e o Reencontro com a Humanidade


Sábado, 6 de fevereiro, 6 horas da manhã, eu ainda dormia quando o interfone tocou. Era o Fernando. “E ai cara? Como vai? Que saudades. Vamos tomar café juntos no Frans da Portugal? Preciso conversar com você. Pegue o seu triciclo. Estou te esperando aqui em baixo com o meu. Vê se desce logo cara.”

O que será desta vez?

Fernando acabara de voltar de um treinamento de sobrevivência na selva. Ficara uma semana em Manaus, incomunicável. Pensei que iria falar sobre o curso...

Quando me viu, me abraçou longamente e com muita emoção. Estava irradiante, entusiasmado e feliz como eu nunca vira antes.

Quando chegamos ao Frans, outro abraço emocionado.

Me conta como foi o treinamento?

“Foi legal, você precisa fazer. Cara, como estou feliz em te ver. Sabia que você é o irmão que eu nunca tive? Você é meu melhor amigo” ( E outro abraço. Confesso que fiquei constrangido pelos olhares das outras pessoas, mas Fernando não estava nem ai).

Do treinamento não vou falar nada. Só vou te deixar estar foto. Tô aqui, o primeiro da corda, mostrando a fotografia. Estava quase desmaiando de cansado. No verso tem a senha da minha conta no Santander. Só vou usar o Bradesco. Aqui tem uma procuração. Quero que você cuide do meu apto e do meu carro. Venda quando for o momento. Vou para São João do Caru. Não sei quanto tempo vou ficar por lá ou se vou voltar. Possa ajudar muitas pessoas por lá.

Fernando, você não está muito emotivo por causa do treinamento? Será que é o momento de tomar uma decisão destas?

“Cara, nunca me senti tão feliz na minha vida. Tô alegre, tenho vontade de abraçar todo mundo. Tenho o maior prazer em cumprimentar as pessoas com um sorriso, de conversar, de ajudar... Me sinto livre, leve, capaz de fazer as coisas sem amarras, sem máscaras, ser eu mesmo. Me sinto como uma criança feliz, sem preconceitos. Tenho você, meu irmão, meu triciclo e meu sonho de fazer a diferença naquele fim de mundo. É pra lá que eu vou, sem lenço e documento, eu vou...”

Outro abraço prolongado,e lágrimas... e lá se foi Fernando sem capacete, gritando: “eu te amo cara, eu me amo, quero que todo mundo seja feliz como eu...”

Eu fiquei paralisado, boquiaberto, tentando entender o que aconteceu sob o olhar curioso da atendente e de 4 clientes do café.

O que será que aconteceu naquele treinamento? Será que as privações por que passou o fizeram enxergar sua vida de um outro ângulo? Será que as dificuldades e desafios o fizeram se abrir e expor o seu eu superior? Será que os desafios que enfrentou o fizeram sentir a necessidade de ajudar os outros?

Será que ele não percebeu que ele viveu uma semana intensa, num ambiente “controlado” onde as pessoas poderiam ser elas mesmas e “aqui fora” a realidade é outra?

Fernando me disse muitas vezes: “O homem sensato se adapta ao mundo. O insensato adapta o mundo a si mesmo.”

Tenho certeza que o treinamento o ajudou a se libertar das mascáras, das amarras que estes anos de convivência com pessoas infelizes, amargas, egoístas e sem perspectivas o forçaram a usar como proteção. Tenho certeza que Fernando deveria ter problemas pessoais, escondidos dos outros e dele mesmo. O treinamento, não sei como, expos para ele mesmo seu eu inferior. Fernando se transformou e assumiu a criança pura que sempre existiu dentro dele.

Meu irmão, não sei quanto tempo você ficará longe mas, se voltar, você sabe que encontrará o grande amigo e admirador de sempre. Vá em frente sem medo, siga seu coração. Você é um exemplo de pureza, de dignidade e de bondade que deveríamos encontrar em todos os seres humanos.

Será que existe selva suficiente para treinar e despertar toda essa gente alienada à vida e a felicidade de estar aqui?