terça-feira, 6 de dezembro de 2022

Valor do amanhã

 Eu fui uma criança frágil.



A lembrança mais recorrente da minha infância é ficar doente, de cama, boa parte de minhas férias escolares.

A imagem mais recorrente da minha infância é eu no quarto, adoentado, olhando meus irmão e amigos pela janela jogando futebol no campinho em frente de casa…

…Pagando o preço por ter ficado mais tempo do que deveria na garoa ou frio ou suando no calor jogando bola ou  brincando ao ar livre.

Aos 10 anos, eu já tinha criado um lema para me guiaria o resto de minha vida: “todo excesso será castigado”.

Se eu abusava do meu limite… cama, febre, injeções…

Aprendi desde cedo que o desejado nem sempre é desejável.

Aprendi desde cedo, a duras penas, que “a conta sempre vem”.

Pela dor e tristeza aprendi muito cedo o alto custo que eu pagava por preferir o imediato, sem pensar no amanhã.

Acho que valeu a pena ter descoberto isto muito antes da minha adolescência…

Fazendo uma retrospectiva vejo o alto preço que meus amigos de infância pagaram por ter desfrutado e consumido o futuro antecipadamente… 

A conta sempre vem, e com juros…

Por que estou escrevendo isto?

Dois motivos: 

1-Acabo de ler a seguinte frase de Epicuro:

“É preferível suportar algumas dores determinadas a fim de gozar de prazeres maiores; convém privar-se de alguns prazeres determinados a fim de não sofrer dores mais penosas”.

2-Pelos noticiários vejo o preço que o Brasil está pagando e pagará por Bolsonaro e equipe  não aceitar o que aprendi muito cedo: “Todo excesso será castigado. A conta sempre vem, e com juros”.


É claro, que com 70 anos, estou numa fase da vida que poupar o presente não garante benefícios utilizáveis no futuro. 

Chega uma fase da nossa vida que começamos a pensar como James Dean: 

“Sonhe como se for viver para sempre; viva como se fosse morrer amanhã”. 

Nesta fase a vida, de um sonhador e deslumbrado como eu, é uma sucessão de dias e momentos isolados que devem ser vividos com a máxima alegria e prazer que as limitações naturais permitem…

…Quero continuar viajando, caminhando e ouvindo minhas música…

Perdi amigos que preencheram o seu tempo na 3a idade (ou vazio interior?) trabalhando… Um em particular, um mês antes de morrer, disse que queria conversar comigo para eu dar algumas dicas sobre uma viagem a Europa que pretendia fazer… não teve tempo para nossa conversa…

Como poderia ter dito Guimarães Rosa: 

Vivemos sem saber o que é realmente importante para nós…


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